Wednesday 15 July 2009

Looking for Eric (2009)

de Ken Loach

Já passou quase uma semana desde que vi o novo filme de Ken Loach e ainda não consegui decidir se gostei ou não da obra. Costumo gostar dos filmes dele, são geralmente bem escritos sem muita pretensão e ainda melhor interpretados e da escola do realismo social da Grã-Bretanha (ao lado do Mike Leigh, Shane Meadows e outros), Loach é capaz de ser o melhor porque de todos ele ainda tem uma réstia de realidade cinemática em si mesmo se esta provém apenas dos argumentos e menos do bravado visual. Mas desde que, em 1992, Loach começou a trabalhar com o seu argumentista de serviço, Paul Laverty, os seus filmes tornaram-se uma interessante mistura de depressão acolhedora embrulhados num final feliz ainda mais harmonioso. No entanto não há que ter medo, a messagem política e social de Loach - definitivamente política quando consegue sempre arranjar desculpa para falar da luta do proletariado contra a grande máquina capitalista ou já era altura de virarmos todos comunistas - ainda lá está e isso pelo menos é bom. O homem deambula só pelos universos que ele melhor conhece mas consegue-o fazer sem pregar MUITO a sua ideologia.
O desgraçado du jour chama-se Eric Bishop, é de Manchester e bolas que a sua vida é mesmo uma enorme calamidade. Constantemente deprimido desde que a sua segunda mulher o deixou com os dois filhos de um outro casamento anterior, é alvo de preocupação dos seus amigos e companheiros do trabalho nos correios britânicos - o proletariado estatal que se mantém unido. Mas o pior são as memórias da primeira mulher, Lily, que Eric abandonou quando esta ainda estava grávida. Para tentar ajudar Eric, um dos seus companheiros de trabalho lê um livro com exercícios de entre-ajuda, um deles consiste em fechar os olhos e tentar canalizar a pessoa que mais admiramos, no caso de Eric é o seu homónimo Cantona sem qualquer efeito psicológico para o chagrin colectivo dos seus amigos mas a partir de então, sempre que Eric fuma uma ganza, imagina Cantona no seu quarto a bojardar as filosofias baratas que ajudaram a tornar o jogador famoso, e assim a vida de Eric parece ganhar um novo fôlego, ou pelo menos uma maior razão para lutar por ela.
O passado é referência constante no filme quando entra em contraste com o presente. É normal, Eric já não é um jovem portanto nostalgia é sempre palavra de ordem. A ausência da ex-mulher (a primeira) é posta à frente das primeiras tentativas de Eric em voltar a fazer contacto; o simbolismo de Eric Cantona (Manchester United quando ainda era o clube da cidade e não uma máquina de dinheiro controlada por um grupo de norte-americanos) contra a perda da identidade do futebol como desporto de massas a prol das elites - numa bela cena para amantes de futebol, adeptos do Man Utd. discutem com um adepto do recém-formado FC United sobre a paixão de um clube mesmo quando já não se pode ir ao estádio. Mas Loach, ou antes Laverty, não se ficam pelo contraste temporal e fazem do argumento um amontoado de pretos contra brancos numa análise que por pouco não roça a caricatura social porque nos momentos certos Eric fuma o seu charro e Cantona dá-nos um pouco do seu hilariante conhecimento.
Por curiosidade é o futebolista, aqui visto como produto da imaginação de Eric, que é a personagem com as arestas mais polidas. Eric questiona-se constantemente até à cena final (já lá vamos) quando tem, pela primeira vez, a iniciativa de resolver uma situação. Os amigos de Eric são divertidos mas não passam tempo suficiente connosco para serem protagonistas a sério e até o grande vilão não é desenvolvido com para lá do esquema “é um gajo mau que mata pessoas e vive numa mansão”. Cantona é quem surpreende, numa das melhores cenas do filme Eric perguta qual foi o melhor momento da carreira do francês: “tem que ser o golo contra o Tottenham, ou aquele contra o Liverpool ou outro contra o...”, em todas ele nega e afinal era um passe, um passe magnífico daqueles de antologia que só é elevado ao seu merecido estatuto épico porque toda esta cena está tão bem escrita, tão bem realizada, tão bem montada e estruturada com tanto coração, que qualquer amante de futebol só pode ficar emocionado.
E no entanto isto não é um filme só para fãs de futebol, há drama suficiente para manter qualquer pessoa interessada mas aí é que reside o principal problema do filme. Não há uma estrutura contínua e em vez de uma temos 3 histórias que parecem ser a mesma. No começo é um drama social inglês introspectivo sob os olhos de um gajo miserável, de repente é um drama social inglês sobre os podres violentos da classe baixa e no fim é uma história de amor e amizade. Parece que Laverty não conseguia decidir um rumo concreto a seguir e felizmente estes elementos (e todos os sub-plots, que os há e imensos) são todos ligados por um Ken Loach em boa forma e uma montagem ridícula de tão boa que é.
Portanto se calhar gostei do filme. As suas intenções parecem ser as mais nobres e sem a pretensão de atingir o panteão da maior classe artística. É simples, se o argumento não o parece ser, e divertido, se a maioria das personagens estão incompletas ou não têm o tempo de antena necessário para deixarem de ser apenas elementos coadjuvantes, e para quem gosta futebol é como ver um drama de puxar a lágrima sem o sentimento de culpa.

Thursday 25 June 2009

Obituário

Farrah Fawcett, imortalizada pelo trio d'Os Anjos de Charlie, deixou também a sua marca em três gigantes de culto: The Cannonball Run; Logan's Run e o inenarrável (se delicioso) Myra Breckenridge. Perto do fim da sua carreira ainda teve tempo de trabalhar com um mestre que já vimos partir, Robert Altman (em Dr. T. e as mulheres).
Fawcett era conhecida pelo sex-symbol que representava. Na grande liberação da imagem feminina dos anos 70, ela e mais duas companheiras tornavam-se nas primeiras mulheres protagonistas de uma série de acção. Das três protagonistas, Fawcett foi a que mais sucesso teve nos anos 80, mesmo se este só vinha de péssimas escolhas de casting ou de uma famosa foto de bikini vermelho que lhe valeu estatuto da última grande pin-up.
Que descanse em paz.

Tuesday 23 June 2009

O pós-pós-pós-modernismo de Scott Pilgrim

Tive a felicidade de ler os dois primeiros volumes da banda-desenhada canadiana Scott Pilgrim e estou completamente apanhado pelas suas personagens. Tudo se passa numa Toronto contemporânea habitada por malta da cena alternativa deixando antever que a nova trend canadiana não serão os hinos dos Arcade Fire/Broken Social Scene/New Pornographers mas uma nova mescla de punk-rock-noise-retro-geek.
O Scott Pilgrim do título é exactamente aquilo que eu e muita boa gente imaginamos ser, 23 anos ainda sem responsabilidades concretas, t-shirt dos Smashing Pumpkins e referências aos nossos videojogos de infância (ou expressão artística para a nossa geração). Num certo momento uma das personagens diz "how convenient, you fight like a dairy farmer", frase imortalizada pelo épico videojogo The Secret of Monkey Island e que ainda hoje, mais de 10 anos depois de o ter terminado, eu ainda referencio.
Estou a divagar porque ainda hoje sonho com aquele universo, imaginem uma obra que acerta no vosso imaginário de tal forma que parece ter sido escrita pela vossa psyche - Scott Pilgrim é para mim o que os filmes do Wes Anderson deverão ser para quem nasceu nos anos 70.
Tudo começa quando Scott (23) começa a namorar com uma asiática de 17 anos que estuda numa escola católica (fetiche #1). Tem uma banda, os bob-omb (referência ao mundo do Super Mario), e um grupo de amigos que adora detestá-lo. Tudo parece perfeito até que Scott conhece Ramona Flowers e vê-se no meio de um triângulo amoroso que nunca descamba no melodramatismo emocional da geração MTV. Tudo é normal até que Scott descobre que para ter o direito de namorar com Ramona terá que derrotar os sete ex-namorados malvados dela.
Pós-modernismo épico para as massas de 1985, Scott Pilgrim vai ainda ser adaptado para o cinema por uma equipa de luxo: o prolífico Edgar Wright (Spaced, Shaun of the dead, Hot Fuzz) realiza e escreve, Michael Cera é Pilgrim (casting mais que perfeito), a belíssima Mary Elizabeth Winstead no papel de Ramona Flowers e Jason Schwartzman como um dos ex-namorados.
O filme deverá estrear algures em 2010 e só me resta descansar por ver alguém no leme que percebe tão bem o material original.

Monday 25 May 2009

Cannes

fechou e o júri presidido pela Isabelle Hupert dá a palma d'ouro ao Haneke? Só estou a constatar a curiosidade.
Mais importante é no entanto o prémio para melhor curta-metragem que caiu para o português João Salaviza. Um jovem realizador que eu conheci quando ainda frequentava a Escola Superior de Teatro e Cinema, estava ele no segundo ano, onde me lembro bem de uma pequena curta que na altura fez e que já demonstrava um talento para a observação psicológica das suas personagens. Resta dizer que este prémio de melhor curta-metragem é o mais alto alguma vez ganho por um português.
Muitos parabéns, Salaviza.

Thursday 21 May 2009

Let the right one in (2008)

de Tomas Alfredson

No espaço de dois anos o mito do vampiro foi reinventado pela máquina norte-americana na tentativa de apresentar a um público novo uma deturpada visão da criação de Bram Stoker. Falo aqui de 30 dias de noite, crepúsculo e true blood. Destas três só a segunda conseguiu, por razões exteriores, perpetuar-se embora seja a série de Alan Ball que melhor sabe apropiar-se do tema para benefício próprio.
Não sendo uma resposta sueca à vaga americana, Let the right one in é, no entanto, a melhor opção para quem procura por um tratamento com respeito. O que o move não é o fogo-de-artifício dos outros filmes nem a sexualidade pulsante da série, mas uma maior ambiguidade nas intenções das suas personagens e um fatalismo final, mesmo quando este também é por si só muito ambíguo. Alfredson baseia-se num livro sueco que segue um pré-adolescente anti-social e uma jovem vampira que se muda para o apartamento do lado. Antes de ser 'só mais uma história de amor', que a própria narrativa não deixa ser embora a realização o pareça transparecer, let the right one in é primeiro um desesperante exercício de contacto humano físico e emocional. Oskar, tão bem representado pelo estreante Kåre Hedebrant, não nutre simpatia nenhuma ao espectador tornando ainda mais justificável a sua amizade com Eli, outra grande estreia de Lina Leandersson. Aos poucos as intenções dos dois começam a ser expostas, Oskar só quer a sua vingança infantil e Eli precisa de alguém que substitua o seu anterior 'pai'. A única razão porque eles conseguem sobreviver é exactamente pela impossibilidade de haver contacto físico, estes pré-adolescentes deveriam estar com as hormonas a fazer continência mas nem Oskar é um jovem normal, nem Eli uma rapariga comum (e não falo só do facto de ser vampira). Por comparação, numa das cenas mais bonitas, a nível estético, do filme, uma outra vampira não consegue lidar com a sua nova condição exactamente devido ao apego emocional.
Let the right one in não é a nova vaga de culto que anda a ser publicitado, mas uma interessante adição à cinematografia sueca pós Bergman. Entre este e Anders Thomas Jensen, a Suécia está a tornar-se numa ponte entre a elite e o paracinema.

João Bénard da Costa 1935-2009

Hoje procuramos todos por uma cópia d'A Palavra do Dreyer, do Johnny Guitar do Ray, d'A Desaparecida do Ford ou d'Os Vampiros do Carpenter.
Descanse em paz.

Wednesday 20 May 2009

Em Cannes

foi apresentado o novo filme do sueco Lars Von Trier que, se não ganhou o consentimento da crítica como na sua época entre o Europa e o Dancer in the Dark, pelo menos promoveu uma discussão acessa entre os jornalistas presentes da Croisette. O Le Film Français diz que este O Anticristo prova que Von Trier é 'merde', o Roger Ebert não consegue parar de pensar nele e o João Lopes chama-o de um 'prodigioso objecto de cinema'.
Independente às diferentes opiniões parecem estar os jornalistas designados para a conferência de imprensa que saíram tão indignados com o Von Trier pessoa como pareciam estar com o Von Trier artista depois do filme. Quando salta a pergunta sobre o significado do filme e todos os porquês, o realizador responde ao auto-denominar-se de melhor realizador de sempre. Ora resposta mais que válida para uma cambada de profissionais da indústria que ainda não perceberam que um realizador não merece ser abordado com o significado da sua obra para gáudio deste circo. Ainda por cima na meca do auteur glamorizado, é como cuspir no prato que lhe for oferecido e depois interrogar o cozinheiro pelo uso excessivo de açafrão.
Se a crítica chegou a este ponto, que glorifica violência pelo carácter extra-sensorial como se fosse novidade, que renega por recusar ser confrontada com a brutalidade humana como se fosse só um passo para o 'schock-value', ou que tem preguiça de analisar uma obra com um fio narrativo específico, então porque ainda existe?
Ebert, Lopes e o analista do Le Film Français pelo menos apresentam duas versões opostas do expectro que merecem devido reconhecimento. O resto nem pensamento crítico, nem pensamento analítico. Só eteceteras.
Fica o trailer do que nos espera


Fico com vontade de entrar na discussão